16/03/08

Um gajo dos 80

Nostalgias por nostalgias, eu cá lembrou-me de ler Bret Easton Ellis e de achar (ó probre ignaro!) que aqueles universos é que eram; surubas em vertigem e abuso galopante do relógio.
O tempo não contava e as pessoas que por ele passavam também não.
A ideia até estava bem presente num video dos Cure - uns gajos a cantar dentro de um armário que caía num precipício sem fim.
Tudo muito definitivo.
Tudo muito inconsequente.
Foi por esses tempos que um rapaz (em potência, também ele já candidato à Presidência da República) nos começou a brindar com prosas rasgadas de crueza sobre quem de facto eramos, nós, uns tugas novo-ricos, ainda de palito na boca mas já com ela cheia de nomes de autores estrangeiros...como o tal do Bret.
O Eldorado europeu - quem não fez um daqueles cursos do FSE em que quase só lá iamos receber o dinheirinho que levante a mão? - estava a encher-nos de dinheiro fácil e de ilusões de grandeza.
O tal do moço trazia-nos à terra com escritos memoráveis sobre temas tão prementes como o tremoço, por exemplo.

Este fim de semana dei por mim a dar uma brutal gargalhada ao ler um texto desse mesmo moço, que sinaliza um seu lento regresso à crónica em jornal. É já uns anos mais velho - 23, ou mais... - mas o texto, muito curto, trá-lo de volta em toda a sua original pujança. Pouco, mas sonoro. Pouco, mas brutal. Pouco, mas absolutamente honesto.
Foi no Público e o rapaz tem um nome que pode escrever-se com três letrinhas apenas - MEC.
Aí vai o texto (e digam lá se tenho ou não razão):

O Recobro / Diário da Perna

Ai. Eis-me esticado na sala de recobro, já sem maneira de me armar em bom. Tenho uma meia branca de can-can enfiada na perna esquerda e a anca nova já a cantar na direita, dilacerada, como a portuguesa.
A operação correu muito bem, graças ao cuidado de uma equipa superluxo: dois cirurgiões, o dr. Ribeiro da Cunha e a dra. Hermengarda Azevedo, dois anestesistas, a dra. Teresa Neta e o dr. António Nunes, e um céu estrelado de enfermeiros. A operação foi canja.
Só o meu ego é que continua muito ferido. É a única coisa que me dói. Entrei armado em estrela de rock, rodeado pela minha entourage de gajas giras (a minha mulher e as minhas filhas), todos com iPods e portáteis a discutir como é que se haveria de quitar a cama, e veio logo uma enfermeira sorridente tirar-me as peneiras.
Primeiro deu-me uma injecção na barriga. Depois levou-me a uma casa de banho gigante, muito gira. Mas, mal eu tinha começado a elogiá-la, interrompeu-me, mandou-me agachar, enfiou-me dois clisteres pelo cu acima e disse-me para aguentar o cócó o máximo de tempo possível. Estava eu a controlar o esfíncter quando ela ligou uma máquina temível para me rapar a pintelheira e os tomates. Isto para uma operação à anca. Depois admiram-se que Portugal esteja no estado em que está. Ainda me ofereci para segurá-los durante a depilação, mas já estavam limpos de qualquer penugem. E pronto. Já não quero dizer mais nada. Ai. Ai.

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