16/05/08

Leitura semiótica - ensaio


Esta é, como muitas outras, uma imagem com complexos caminhos de enunciação.
Deixo aqui a minha leitura - naturalmente fugaz e, portanto, incompleta.
Factos:
O espaço - um salão automóvel;
O momento - um casal abandona um grupo de observadores de um qualquer objecto motorizado, quando o jovem macho sente o seu olhar atraído para sítio outro que não o caminho.
O que se pode dizer:
Tratar-se-á de uma salão de Tunning - nos salões mais generalistas haverá mais investimento em alcatifas e aquela senhora da esquerda, com o blusão dourado, não estaria em nenhum stand a entregar folhetos.
Pela expressão de ambos parece perceber-se alguma tensão prévia ao momento do olhar desviado; talvez ela tenha ido contrariada, talvez ele lhe tenha respondido, no final de umas tantas insistências, "Pronto, pronto, vamos lá ao Shopping!"
Nesse ambiente de perturbação emocional, o jovem parece, instintivamente, procurar o conforto das grandes certezas (sabia que ainda havia, um dia, de aqui afinfar uma frase qualquer do António de Santa Comba!) - fá-lo (do verbo 'fazer') num universo que, afinal de contas, percebe como acolhedor, simpático, disponível, adaptável ao seu corpo e aos seus segredos - o dos estofos personalizados.
A jovem, obviamente, não percebe.
Achará - ó ignara figura! - que ele só se pôs a olhar para as pernas das gajas. Achará - ó mente retorcida! - que ele mais do que olhar para cú alheio se pôs a pensar algo do género - "Como é que eu vim parar a este lugar e como é que tenho esta aqui ao meu lado?".
Há, nele, uma pose de temperada resignação; as mãos que se cruzam, o olhar descansado no gasto tapete vermelho. Sabe que nunca vai conseguir explicar-lhe o que aconteceu e sabe que nunca vai poder explicar-lhe porque aconteceu. Sabe também que não vai conseguir ouvir 'aquele' CD na viagem de regresso a casa e que, mesmo depois de aumentar subtilmente o volume do rádio, a mensagem não passará. Sabe que vai ouvir hoje, amanhã e, possivelmente, em muitos dias de um futuro incerto, referências distorcidas ao episódio.
E sabe tudo isto com mais certeza do que saberá porque as vai continuando a ouvir.
Esta é uma história triste que prova como as acareações entre homens e mulheres não funcionam - são de cores diferentes os mundos em que vivem.

1 comentário:

Alípio disse...

Há que admirar a discrição do rapaz. Repara que não está com a língua de fora a tocar o chão, mãos em tensão e órbitas oculares em projecção na direcção dos bumbuns que seguramente não lhe fazem lembrar o da moça (que até pode ser muito prendada) que o acompanha. Um louvor e menção honrosa para o moço. O primeiro prémio, está claro, é para os bumbuns.